A violência contra crianças e adolescentes esteve presente na história da humanidade desde os mais antigos registros. A perspectiva da proteção integral, adotada no final do século XX, contrapõe-se a uma perspectiva de disciplina e dominação das crianças, perpetuada historicamente.
Na Grécia Antiga, a alegria da criança filha de cidadão, educada no gineceu por meio de mitos, fábulas e música, contrastava com a tristeza do filho do escravo, de quem o lamento da venda próxima ou o destino ainda mais cruel ressoava dolorido. Em Esparta, o Estado assumia a responsabilidade de educar seus futuros guerreiros em princípios cívicos e militares logo aos sete anos de idade. A pedagogia militar de então era baseada em exercícios físicos até a exaustão, fome e espancamentos. Os jovens começavam a tomar parte na Assembléia com cerca de 15 anos e, depois de passar por várias provas, eram, antes de completar 20 anos, incorporados como cidadãos. Permaneciam conscritos até os 30, 35 anos de idade. Uma dessas provas, para a elite, consistia em matar um escravo que fosse encontrado pelas ruas da cidade no que chamavam de Kripta. Aos escravos era destinado o trabalho braçal. Em Atenas, o serviço militar durava dois anos e somente se iniciava aos 18 anos de idade. Antes disso, a educação doméstica e em escolas de grandes mestres predominava na vida da criança de elite. Platão (um importante filósofo) recomendava a educação para a cidadania, desde que fosse controlada pelos magistrados e membros dos conselhos mais elevados. Xenofonte (outro filósofo) considerava que o direito de palavra não deveria ser atribuído ao povo, por sua ignorância, mas aos “sábios e aos melhores”. As mulheres atuavam apenas na esfera doméstica e as meninas, fortalecidas por exercícios físicos desde a infância mais precoce, casavam-se aos 14 ou 15 anos de idade.
No Império Romano, meninos e meninas permaneciam juntos, protegidos por seus deuses Lares, até os 12 anos de idade. A partir daí, separavam-se. A ele tocava a vida pública, o aprimoramento cultural, militar e mundano. A ela o casamento, no mais tardar, aos 14 anos. Também essas regras se aplicavam à nobreza. À plebe e aos escravos restavam os trabalhos subalternos. O pátrio poder, em Roma, durava até a morte do pai, quando o filho o sucedia como Pater Familias. Com o advento do Cristianismo e a decadência do Império Romano, uma nova moralidade foi-se gestando.
A Idade Média encerrou o indivíduo nos limites territoriais do feudo, onde ele podia contar com a comunidade, mas era também por ela vigiado. A partir de uma releitura de Aristóteles, propõe-se a divisão das idades humanas, para fins de educação, em períodos de sete anos. A infância duraria até os sete anos de idade; a puerilidade, até os 14; a adolescência, até os 21. Para Constantino, a adolescência durava até os 50 anos, quando então se iniciava a velhice. Já para Isidoro, ela prolongava-se até os 35 anos de idade. Apesar dessas delimitações cronológicas, a caracterização da infância como estágio oposto ao da idade adulta não existia. A formação de Cidades-Estado e de Estados Nacionais, com a ascensão da burguesia comercial, a Reforma Religiosa e a ampliação da educação inauguraram a Idade Moderna, na qual a sociedade buscava o fortalecimento do espaço privado. Segundo Ariès (1981, p.273-276), somente no século XV surgiu o sentimento de família, mas ainda até o século XVII “a vida era vivida em público”. Na Europa, “a civilização medieval havia esquecido a paidéia dos antigos e ainda ignorava a educação dos modernos. Este é o fato essencial: ela ainda não tinha a idéia da educação. Hoje, nossa sociedade depende e sabe que depende do sucesso de seu sistema educacional”.
Também na Idade Média, o colégio surgiu como instituição educacional. Ao mesmo tempo, a família, ao resgatar crianças e adolescentes para dentro do lar, experimentou crescentes relações de afetividade. Os mestres moralistas começaram a denunciar a frouxidão dos costumes. O Estado e a Igreja reagiram e assumiram a responsabilidade educacional. Os adolescentes passaram a formar grupos chamados de “abadias” ou “corpos juvenis”.
Com o Iluminismo, aumentou grandemente a circulação de novas idéias durante os séculos XVII e XVIII. A industrialização e o crescimento urbano acelerado tornaram os indivíduos anônimos. No século XIX, a adolescência passou a ser delimitada, identificada, esquadrinhada e controlada. As meninas começaram a receber instrução formal. Famílias ricas criticaram os colégios (internatos, na maioria) por maus hábitos morais e retiraram seus filhos dessas escolas. As famílias pobres e camponesas, por outro lado, viam na possibilidade de enviar seus filhos para essas instituições a esperança de um futuro melhor. Externato para o rico, internato para o pobre. A família ( Será que essa realidade mudou? Pense nisso.) era nuclear, heterossexual, monógama e patriarcal. O pai tudo podia em relação aos filhos e à mulher.
O século XX inaugurou a linha de produção em série, e a intensa exploração do trabalho infanto-juvenil provocou, por um lado, mudanças nas famílias e problemas sociais e de saúde coletiva e, por outro, o surgimento de políticas para a proteção de crianças e adolescentes. De uma realidade do capitalismo industrial de meados do século XIX, em que as crianças trabalhavam por mais de 16 horas, avançamos, ao final do século XX, para um paradigma de proteção integral. Foi também no início do século XX que houve a ampliação dos conhecimentos da psicologia, que, debruçada sobre a constituição do sujeito infantil, contou com a contribuição dos teóricos do desenvolvimento humano, destacando-se Freud, Piaget, Vygotsky, entre outros. Apesar da diferença de posicionamentos e matrizes teóricas, esses autores foram fundamentais para a construção de uma concepção de infância e para a adaptação do processo educativo.
Fonte pesquisada: Subsídeos para atuar no enfrentamento à violência contra crianças e adolescentes. MEC/ SECAD /2006
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